por: Fernanda Takai
Essa frase parece letra de música de alguém apaixonado querendo ser notado, não é? Mas é pra falar sobre um assunto sério com o qual tenho me envolvido recentemente. Há mais de ano recebi o material de uma ONG chamada AboutFace. Ela tem sede no Canadá desde 1985 e hoje também está no Brasil fazendo um trabalho importante para criar uma rede de compartilhamento de experiências sobre diferenças faciais, defeitos físicos adquiridos por doenças ou acidentes. Achei muito boa a iniciativa, mas por causa de uma intensa rotina de trabalho, respondi que não conseguiria me envolver por inteiro para ajudá-los no ano passado. Para mim, não basta apenas doar verba, colocar uma foto no site. Prefiro doar o meu tempo participando de ações, usando a visibilidade que minha carreira tem pra que mais gente se interesse e seja um agente positivo sobre o assunto.
Então, depois desse primeiro contato em 2008, só agora estamos colocando em prática essa amizade. Se tudo der certo, em breve mais e mais gente estará envolvida nessa caminhada. Aqui na coluna várias vezes escrevi textos que despretensiosamente tocaram muita gente que se identificou com o assunto. Foram ideias que partiram de experiências minhas, pequeninas, mas enormes na vida de outras pessoas. Situações como ser ridicularizado por causa de sotaque, ter um nome engraçado, usar óculos de grau alto, não ser lá muito bonito, andar com dificuldade, ter gosto peculiar por roupas, ser pequeno demais ou muito grande. Ser muito branco, muito preto ou muito oriental. Muito magro ou muito gordo… Conheci gente que tem a cara torta, anda de rodinhas, não tem um braço ou uma mão. Alguns não falam, não escutam ou não enxergam, mas se comunicam bem com o mundo, são competentes na sua vida cotidiana. Trabalham, dão alegria a outras pessoas. São queridos e amados, enfim.
Aí vocês me perguntam: qual é o meu defeito que me faz sentir motivada a trabalhar para uma organização como a AboutFace? Talvez eu não tenha algo notável assim à primeira vista, mas tenho vários outros que por serem “invisíveis” fazem com que minha interface com o mundo seja mais suave do que aquelas pessoas que lidam diariamente com suas diferenças.
O público-alvo imediato da nossa campanha são jovens entre 10 e 15 anos. Curiosamente, parece ser essa a faixa etária que mais olha estranho para o “não semelhante”. Além disso, são os que mais praticam o bullying — provocações físicas ou psicológicas a outros colegas. Tudo muito gratuito e cruel, sem qualquer explicação a não ser um suposto “não fui com a sua cara porque você não é como eu”.
As crianças bem novinhas são as que perguntam e se aproximam com mais naturalidade das pessoas que acham estranhas. Percebo isso até mesmo com minha filha, que sem qualquer constrangimento perguntou pra um senhor: “Por que você tá sem perna e sem um montão de dedos?!”. Aí ele gentilmente resumiu sua história de vida e mostrou que mesmo sem tudo isso é ele que conserta os sapatos e bolsas de muita gente. Ela sorriu e disse: “Tá bem!”. Outro dia ela também traduziu de uma forma carinhosa a condição de uma amiga, quando eu tentava explicar pro garçom que precisava ir para outro restaurante — um que tivesse acessibilidade pra alguém que usa cadeira de rodas. Ela simplesmente falou: “Ela tem rodinhas. Não consegue passar aqui nessa escada, moço”. Minha amiga de rodinhas! Uma imagem mais simpática do que qualquer coisa que eu pudesse pensar.
Então, para que jovens e adultos se tornem mais sensíveis ao mundo em que vivemos, é que convocamos aqui o olhar mais carinhoso de todos.
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